Um reencontro impossível
Um reencontro impossível
Chovia memória nas pedras daquela rua. Mesmo com o céu limpo, eu sentia cada lembrança escorrer pelos meus passos enquanto caminhava entre as mesas vazias do antigo beco.
Era sempre à meia-noite que eu aparecia por ali. Os candeeiros douravam os casarões coloniais como se escondessem segredos em suas paredes. As janelas — todas fechadas — pareciam olhos que não queriam mais ver. E eu compreendia. Eu também já vira demais.
Sentei à mesma mesa. Aquela do canto, onde costumávamos dividir silêncios que diziam mais que qualquer conversa.
Na última noite em que estivemos juntos aqui, ela me disse algo que ecoa até hoje:
“Algumas ruas não levam a lugar nenhum, apenas a nós mesmos.”
Depois disso, sumiu. Sem rastros. Sem nome na lista dos desaparecidos. Mas eu sei. Ela ainda está por aqui. Em alguma janela que se recusa a abrir. No reflexo da taça abandonada na mesa ao lado.
Talvez eu esteja preso a esta rua como um eco. Ou talvez... eu nunca tenha saído dela. Porque desde então, tudo o que faço é voltar. Sentar. Esperar.
E toda vez que ouço o leve ranger de uma porta ao fundo… juro que é ela.
Só que nunca é.
E mesmo assim, eu fico.
Porque algo em mim acredita — ou finge acreditar — que uma hora será ela.
O vento passa entre os becos como se tivesse nome. Traz cheiro de terra antiga, de promessas esquecidas no tempo. Os prédios respiram nostalgia. O chão guarda as pegadas de quem já partiu. E eu… continuo sendo só um vulto à espera de um reencontro impossível.
Hoje, há três mesas com velas acesas. Ninguém as acendeu. Ninguém veio. Mas a luz está lá, firme, como se soubesse que alguém precisa dela para não enlouquecer.
Às vezes acho que morri ali naquela noite. Que meu corpo é só uma memória mal resolvida, caminhando em círculos por essa rua onde o tempo se recusa a seguir. Talvez esta rua nem exista mais para o mundo. Mas para mim, é tudo que sobrou.
E se amanhã ela abrir a porta, sentar à minha frente e sorrir como antes, talvez o feitiço se quebre.
Ou talvez não.
Talvez o amor seja isso: ficar… mesmo depois que tudo foi.
© Euclides da Fonseca

